Por Fernando Freitas*
Os indicadores macroeconômicos desempenham um papel crucial nas decisões de mobilidade das pessoas pois afetam diretamente os segmentos de compra e venda de veículos novos e usados. A inflação, as taxas de juros e o desemprego são fatores que influenciam significativamente o poder de compra e a confiança do consumidor. Em tempos de incerteza econômica, os consumidores tendem a adotar uma postura mais cautelosa, postergando grandes investimentos, como a compra de automóveis e de bens imóveis.
A recente crise econômica mundial, exacerbada pela pandemia de COVID-19, trouxe desafios sem precedentes para a indústria automotiva. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), as vendas de automóveis e comerciais leves no Brasil ainda não retomaram os patamares pré-pandemia. Dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) corroboram essa tendência, mostrando uma queda nas vendas em 2023 comparado aos anos anteriores à pandemia.
Com o aumento das taxas de juros e a inflação, o custo de financiamento de um veículo se tornou proibitivo para muitos consumidores. Dado que aproximadamente 70% de todos os veículos são financiados, a crescente de pessoas optando por locação e assinaturas de veículos se acelerou nos últimos anos. A facilidade e a flexibilidade oferecidas por esses modelos são atraentes, especialmente em um cenário econômico incerto. Segundo um estudo da Bloomberg, as vendas de veículos novos nos Estados Unidos caíram 15% em 2023 comparado a 2019, refletindo uma tendência global de declínio nas vendas de automóveis.
Globalmente, a indústria automotiva enfrenta um período de estagnação. A escassez de semicondutores, os problemas na cadeia de suprimentos e a inflação elevada têm dificultado a recuperação do setor. Relatórios de mercado indicam que as vendas de veículos novos em muitos países ainda estão aquém dos níveis observados antes de 2020. Por exemplo, dados da IHS Markit mostram que as vendas globais de veículos novos caíram 20% em 2023 em comparação com os números de 2019.
Estudos recentes indicam uma mudança significativa no comportamento dos consumidores, especialmente entre os jovens de 20 a 40 anos. A pesquisa da Awto revelou que esse grupo demográfico está cada vez mais buscando soluções alternativas de mobilidade, como serviços de carsharing, ao invés de comprar um carro. Além disso, a pesquisa “Global Automotive Consumer Study” da Deloitte destaca que 54% dos jovens brasileiros preferem usar serviços de mobilidade compartilhada a ter um carro próprio.
O mercado de carsharing tem se mostrado resiliente e adaptável às mudanças econômicas e comportamentais. De acordo com um estudo da Frost & Sullivan, o mercado global de carsharing deve crescer a uma taxa composta anual de 16% até 2025, refletindo uma mudança significativa nas preferências de mobilidade.
A mudança no comportamento dos consumidores pode ser observada em diversos países. Na Alemanha, por exemplo, o governo tem incentivado o uso de bicicletas e o transporte público através de subsídios e infraestrutura melhorada. Em cidades como Berlim, o uso de bicicletas elétricas aumentou significativamente nos últimos anos, refletindo uma tendência global de busca por soluções de micromobilidade.
No Brasil, a adesão a serviços de micromobilidade também tem crescido. Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro têm investido em ciclovias e iniciativas de compartilhamento de bicicletas, facilitando o deslocamento de curtas distâncias sem a necessidade de um automóvel. A pesquisa “Mobilidade Urbana” do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que 35% dos brasileiros consideram o uso de bicicletas como uma alternativa viável ao carro.
Além disso, o crescimento do carsharing no Brasil é notável. De acordo com dados da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (ABLA), o número de veículos disponíveis para carsharing no Brasil aumentou 25% nos últimos dois anos. Esse crescimento é impulsionado pela praticidade e economia proporcionadas por esses serviços, que permitem aos usuários acessar um veículo apenas quando necessário, sem os custos e responsabilidades associados à propriedade de um carro.
A mudança de comportamento afeta significativamente os segmentos de veículos novos e usados. Com a crescente preferência por modelos de mobilidade compartilhada, a demanda por veículos novos tem diminuído. Isso também afeta o mercado de veículos usados, que, apesar de ser uma alternativa mais acessível, ainda enfrenta desafios devido à mudança de preferência dos consumidores. De acordo com a Fenabrave, as vendas de veículos usados também têm mostrado um declínio, embora menos acentuado que o dos veículos novos, devido ao aumento das locações e assinaturas.
Os indicadores macroeconômicos estão moldando as decisões de mobilidade de maneiras profundas e duradouras. A pressão econômica está levando os consumidores a reconsiderarem a propriedade de veículos, favorecendo modelos de uso flexíveis e sustentáveis. Essa transformação é evidenciada pela queda nas vendas de automóveis novos e pela crescente popularidade das soluções de micromobilidade e carsharing, refletindo uma mudança de paradigma na forma como as pessoas se movimentam nas cidades modernas.
Ao analisar esses dados e tendências, fica claro que a indústria automotiva precisará se adaptar a um novo normal, onde a flexibilidade e a sustentabilidade são prioridades para os consumidores. O crescimento do mercado de carsharing, impulsionado por empresas como a Awto, destaca a importância de oferecer alternativas de mobilidade que atendam às necessidades e expectativas de um público cada vez mais consciente e exigente.
Fontes:
CleanTechnica: US EV Sales Up 385% Since 2019, Normal “ICE” Vehicle Sales Down 14%
FRED Blog: New Vehicle Sales and Auto Price Inflation Since the Pandemic
*Fernando Freitas é Chief Strategy e Marketing Officer (CSO e CMO) da Awto para a América Latina. Formado em Matemática e Ciências pela Indiana University, nos Estados Unidos, cursa Mestrado de Economia Financeira na Purdue University, também nos EUA. Acumula passagens em grandes empresas de consultoria estratégica, como Ernst & Young e Applico Inc., empresas de tecnologia e foi fundador de diversas startups.