A Trilha de Emissões

Transição Energética: O papel da indústria automotiva e dos setores de serviços de mobilidade

Por Fernando Freitas*

A descarbonização está à mesa. Melhor ainda, nas ruas. A corrida por mitigar os efeitos do carbono no cotidiano das grandes cidades é uma realidade no mundo todo, e o Brasil não fica para trás. As discussões sobre estratégias de redução de emissões estão cada vez mais presentes, abrangendo desde a adoção de carros elétricos até o desenvolvimento de alternativas econômico-ambientais.

Nesse contexto, o carsharing surge como uma solução promissora, oferecendo uma alternativa de mobilidade que reduz o número de veículos em circulação e, consequentemente, as emissões de carbono. Empresas têm se destacado ao oferecer serviços de compartilhamento de carros, permitindo que mais pessoas tenham acesso a veículos sem a necessidade de possuí-los. Isso não só diminui a pegada de carbono individual, mas também alivia o trânsito nas grandes cidades.

No entanto, embora o carsharing seja uma ferramenta valiosa, não é suficiente por si só. É fundamental repensar a maneira como desenhamos a mobilidade urbana do presente e do futuro. Um dos principais aspectos a considerar é o tipo de combustível que os veículos utilizarão no futuro, um fator crucial na busca por sustentabilidade.

Aqui entra a discussão sobre qual tecnologia será mais eficaz na mitigação das emissões de carbono: os motores a combustão interna (ICE, sigla em inglês para internal combustion engine) ou os veículos elétricos (EV, electric vehicle). Os híbridos têm ganhado tração globalmente por ajudar nessa  transição do à combustão para o elétrico  sem penalizar rotinas cotidianas com os tempos ainda excessivos de recarga. No Brasil, os híbridos estão indo além com a adição do conceito de “híbrido flex”, que oferece uma camada extra de sustentabilidade ao utilizar etanol, em vez de depender exclusivamente de gasolina, como tem sido com os motores híbridos ao redor do mundo.

Esse debate sobre a melhor alternativa é complexo e continuará sendo por muitos anos. Contudo, o conceito de “híbrido flex”, uma solução desenvolvida localmente no Brasil, está se consolidando. O Brasil, com suas vastas plantações de cana-de-açúcar, especialmente no estado de São Paulo, está na vanguarda dessa discussão. Para quem ainda não acredita na nossa tecnologia, recomendo a leitura dessa reportagem.

O etanol produzido a partir da cana é um combustível mais sustentável, e seu uso no “híbrido flex” traz vantagens ambientais significativas. Além disso, a indústria automotiva brasileira, já bem estabelecida, pode se beneficiar ao integrar essa tecnologia em suas operações.

Neste cenário, as montadoras desempenham um papel crucial. A sueca Volvo, por exemplo, já descarbonizou toda a sua linha de produtos, abandonando os motores a combustão e focando exclusivamente em veículos elétricos, com o compromisso de se tornar neutra em carbono até 2040. A Stellantis, proprietária de veículos muito bem aceitos no Brasil, como o Jeep Compass e Renegade, está dando passos significativos na direção da sustentabilidade. A empresa anunciou um investimento de €5,6 bilhões (aproximadamente R$30 bilhões) na América do Sul até 2030, focando justamente na produção de veículos híbridos flex. Essa iniciativa inclui o lançamento do primeiro híbrido flex no Brasil em 2024, com a expectativa de lançar seu primeiro modelo 100% elétrico no Brasil até 2030.

A General Motors (GM) também está investindo pesadamente no Brasil, com um aporte de US$ 1,4 bilhão (cerca de R$7 bilhões) até 2028, direcionado principalmente à eletrificação de sua frota no país. A GM planeja modernizar suas fábricas e desenvolver novas tecnologias que apoiem essa transição para uma mobilidade mais sustentável. A chinesa BYD, que recentemente adquiriu a fábrica da Ford na Bahia, também adotou o modelo híbrido e está expandindo sua linha de veículos elétricos no Brasil, aproveitando o crescente mercado de energia limpa e as políticas favoráveis do governo para impulsionar a descarbonização no setor automotivo.

Um artigo recente sobre emissões de veículos, conduzido pela jornalista Jo Lauder, especializada em mudanças climáticas, destacou os avanços significativos na redução das emissões ao longo da vida útil dos veículos elétricos (EVs) em comparação com os carros a combustão interna (ICEs). Embora os EVs apresentem emissões iniciais maiores devido à produção de baterias, eles superam os ICEs em termos de emissões totais ao longo do tempo, especialmente quando alimentados por redes elétricas mais limpas. No entanto, Lauder também aponta que a eficácia ambiental dos EVs varia de acordo com a fonte de eletricidade disponível em cada região.

Ainda assim, é essencial reconhecer que a questão das emissões no setor automotivo é complexa, envolvendo diversos fatores. A produção de veículos elétricos depende de minerais como lítio, cobalto e níquel, cuja extração e processamento têm impactos ambientais consideráveis. Além disso, a fabricação de baterias é um processo intensivo em emissões. Por outro lado, mesmo os motores a combustão mais eficientes continuam emitindo CO2 durante toda a sua vida útil.

Apesar de serem mais equipados e confortáveis, os carros elétricos ainda enfrentam desafios significativos em termos de confiabilidade, custos de manutenção e depreciação. A recarga das baterias, por exemplo, é um problema sério, especialmente para motoristas de aplicativos e motoboys, que não podem esperar horas por uma recarga. Além disso, há uma escassez de postos de recarga, mecânicos especializados e peças de reposição, o que dificulta ainda mais a adoção em massa desses veículos.

Os veículos híbridos, por outro lado, oferecem uma combinação dos benefícios dos carros elétricos e dos motores a combustão. Com mais tecnologia e um apelo sustentável, os híbridos plug-in, por exemplo, podem operar de forma eficiente apenas com combustão quando necessário – o que os faz uma ótima opção de transição, sem as dores de cabeça dos veículos 100% elétricos. 

Enquanto isso, os veículos a combustão vêm perdendo espaço em termos de conforto e tecnologia. Na tentativa de manter os preços acessíveis, componentes elétricos, itens de conforto e materiais mais duráveis estão sendo deixados de lado. No entanto, eles ainda são os veículos mais confiáveis e previsíveis, com uma rede ampla de postos de abastecimento, mecânicos e peças disponíveis em todo o país.

Embora o entusiasmo inicial pelos carros elétricos tenha diminuído após a adoção dos early adopters, para que a curva de adoção atinja a maioria dos consumidores, melhorias significativas ainda precisam ser feitas. A autonomia dos veículos e as opções de recarga rápida precisam ser aprimoradas. Além disso, o preço dos EVs precisa ser mais competitivo para que eles se tornem viáveis para a maioria da população.

Por fim, enquanto os veículos elétricos continuam a evoluir, os motores a combustão e os híbridos também se beneficiam das pressões ambientais e das melhorias tecnológicas. No fim das contas, a curva de emissões desses veículos tem se tornado cada vez mais sustentável, o que continua a retardar a adoção em massa dos veículos totalmente elétricos.

*Fernando Freitas é Chief Strategy e Marketing Officer (CSO e CMO) da Awto para a América Latina. Formado em Matemática e Ciências pela Indiana University, nos Estados Unidos, cursa Mestrado de Economia Financeira na Purdue University, também nos EUA. Acumula passagens em grandes empresas de consultoria estratégica, como Ernst & Young e Applico Inc., empresas de tecnologia e foi fundador de diversas startups.

COMPARTILHE

Artigos relacionados